8.14.2009

DO SITE DO GILBERTO DIMENSTEIN

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Quixote de bicicleta

Gilberto Dimenstein

Chamado pelos filhos de “professor Pardal”, porque tantas eram suas engenhocas espalhadas pela casa (a tampa aquecida da privada ou um tobogã dentro da sala, por exemplo), o engenheiro industrial Felício Sadalla sempre foi obcecado pela ideia de que as cidades deveriam criar ciclovias.

Criador e criatura

Falava e dava o exemplo: todos os dias, percorria 13 quilômetros até o trabalho, montado numa bicicleta elétrica desenvolvida em sua garagem, há 35 anos. “Eu provavelmente era a única pessoa no país a andar de bicicleta elétrica.”

Mas ele não achava nada extravagante. “É uma simples questão de bom senso.” Para ele, uma bicicleta pesa 20 quilos e carrega sem problemas um ser humano -um carro pesa uma tonelada. “Nada é tão barato, comparado com rodovias e metrô, do que abrir uma ciclovia.” Sem contar a óbvia economia de combustível, reduzindo a poluição.

A bordo de sua invenção, Felício sentia-se isolado como uma espécie de Quixote urbano. Por isso, ficou emocionado com a notícia recebida, no mês passado, no dia em que completou 81 anos. “Fiquei quase cinco noites sem dormir direito.” Com tanta agitação, o médico recomendou-lhe repouso fora de São Paulo.

Vindo do Mato Grosso, quando tinha quatro anos, Felício fez parte de uma das primeiras turmas da FEI (Faculdade de Engenharia Industrial) e se especializou na Inglaterra. Poliglota, fala sete línguas e tem como um dos seus prazeres vasculhar sebos.

De volta ao Brasil, montou sua empresa e sempre acompanhou as experiências do carro elétrico desenvolvido no Brasil pelo empresário Amaral Gurgel, de quem era amigo pessoal. “O motor não funcionava direito para o carro.” Ajudou a adaptar um motor híbrido, combinando eletricidade e gasolina -também está em seu currículo ter ajudado o navegante Amir Klink.

Fez a sua bicicleta elétrica, acreditando que as cidades deveriam construir uma alternativa urgente aos automóveis. Mas sentia que ninguém prestava atenção -a modernidade se traduzia nos carros ou no metrô.

Com a idade avançada, a bicicleta ficou encostada. Mas não ficou parada. Uma seguradora (Porto Seguro) já usava bicicleta para oferecer socorro aos seus segurados e soube do modelo desenvolvido por Felício.
Decidiu estudar a possibilidade de produzir em série, contratando um escritório de design. Felício dava as dicas sobre o motor, sem qualquer preocupação com patente.

No dia do seu aniversário, ele recebeu a notícia do início da produção brasileira das bicicletas elétricas para circularem em São Paulo, com motor ecológico. Na data de seu nascimento, se comemoravam os 40 anos que o homem pisou na lua.

Foi um dia tão marcante que Felício viu a grandiosidade daquela viagem espacial como uma boa coincidência para festejar sua bicicleta.


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