“Lembro que essa época em que desenhei a série Brutaflor foram tempos meio selvagens, o Collor tinha rapado a grana de todo mundo. No meio disso estava eu aí, um parnanguara como o Miran, tentando algo em São Paulo. Uma espécie de retirante do Sul. Mas como fui com uma boa indicação (pelo Miran) consegui um posto interessante na Folha de SP como ilustrador do caderno nobre etc, cheguei por cima. 

O problema é que logo mudou a chefia, saiu o Boris Casoy e entrou um japinha perfumado, o Matinas Suzuki que implicou comigo, dizia que gostava do meu trabalho mas achava muito agressivo meu nanquim claro/escuro... daí pra frente só azedou, saí da Folha e fiz tudo o que podia com tinta e papel pra sobreviver, e como era um momento bom pros quadrinhos, desenhei de tudo, mapas, infograficos, storyboards, apostilas e veja só, muito pornô inclusive, a famosa "catequese"... bom, pagavam bem e os quadrinhistas da época eram muito pudicos, pra mim foi moleza desenhar putarias.

Mas naquele ano praticamente sozinho em São Paulo, sobrando tempo, amigos e milhares de festas pra ir, foi impossível não ficar encantado com a urbe dessa megacidade, os tons que sampa tem não se vê em lugar nenhum. Desempregado e num momento ruim que ninguém empregava, comecei naturalmente um exercício de retratar a cidade e criar pequenas histórias imaginárias com as pessoas que via fugazmente nas ruas, como av. Angélica onde fiquei um tempo, a sede da Folha que era na Duque de Caxias, os bairros de Higienópolis e Bela Vista e aquele centrinho eternamente meio podre, era o meu caminho diário casa-trabalho-visitar-os-amigos-do-teatro.

Também foi um momento de mudança na maneira de desenhar, passei a traçar mais com o pincel o outline principal e os outros secundários com a pena. Ficou mais expressionista digamos. Devo ter sido o primeiro desenhista de hq`s pornô-expressionista... depois inseri a cor aquarelando. Tenho mais alguns dessa série que não estão no site, pois como estavam emoldurados há anos não fotografei ainda (as pranchas tem 70X50), mas logo resolvo e te mando. Quanto as histórias, acho que aquele ano em São Paulo mexeu com meu emocional quando desenhei a maioria deles, pois fui do Olimpo dos ilustradores a Boca do Lixo desenhando porno brasileiro (eram engraçados inclusive) pra europeu ver, acho que isso transpareceu nas pseudo-histórias dessa série. O nome veio anos depois, roubado da Clarisse Abujamra e do Caetano Veloso. Perfeito.”

FOCA CRUZ